Marcos Nascimento: “Se os homens são parte do problema, também têm de ser parte da solução”Como uma rede mundial composta de mais de 400 ONGs e agências da ONU estimula o engajamento masculino no combate à violência contra as mulheres
SOLANGE AZEVEDO
O carioca Marcos Nascimento formou-se primeiro em engenharia civil. Nos canteiros e obras e no escritório, convivia basicamente com homens. Muitos homens. “O modo como eles interagiam e se referiam às mulheres, de maneira preconceituosa e como se elas fossem objetos de consumo e descarte, me incomodava muito”, diz. Nascimento deu um basta nos colegas e na profissão. Decidiu estudar psicologia. Aos 42 anos, ele coordena a MenEngage Alliance, uma rede mundial composta de mais de 400 ONGs e agências da ONU que fomenta o engajamento masculino na busca pela equidade de gênero. As mulheres agradecem.
QUEM É
Marcos Nascimento, de 42 anos, é psicólogo. Nasceu no Rio de Janeiro.
O QUE FAZ
Coordena a MenEngage Alliance, uma rede mundial composta de mais de 400 ONGs e agências da ONU que fomenta o engajamento masculino na busca pela equidade de gênero. No Rio de Janeiro, dirige a ONG Instituto Promundo.
ÉPOCA - Como nasceu a MenEngage Alliance?
Marcos Nascimento – A MenEngage é uma iniciativa de duas ONGs: o Instituto Promundo, do Rio de Janeiro, e o Centro Internacional de Pesquisa sobre Mulheres, de Washington DC (EUA). Essas duas ONGS têm tradição em trabalhos com homens na promoção da igualdade de gênero. Sentíamos falta de uma rede mundial que fizesse a ligação entre diferentes projetos e experiências sobre esse tema. Atualmente temos mais de 400 organizações associadas no mundo todo. Queremos socializar conhecimento e nos unir para fazer uma espécie de “advocacy” (defesa) de questões relacionadas à igualdade de gênero tendo como foco os homens e os meninos.
ÉPOCA - Combater a violência contra as mulheres era uma dívida antiga dos homens?
Nascimento – Era, sim. Procuramos fomentar o debate sobre o envolvimento do homem em todas as discussões que, no passado, eram direcionadas apenas à mulher. Seja a violência doméstica, a gravidez na adolescência, a prevenção do HIV. O nosso objetivo é mostrar como os homens podem ser aliados na promoção de uma nova cultura. Se a perspectiva masculina não for trazida para o debate, o avanço será pequeno. No caso da violência contra a mulher, é óbvio que é muito importante proteger as vítimas, ter a Lei Maria da Penha, que responsabiliza o homem agressor. Mas se não houver intervenções entre os homens, a tendência é que eles mantenham o comportamento violento com a atual parceira ou com a parceira futura. Se eles são parte do problema, também têm de ser parte da solução.
ÉPOCA – Qual é a sua avaliação sobre a Lei Maria da Penha?
Nascimento – A Lei Maria da Penha é um avanço. O grande desafio é implantá-la em todo o país. Costumamos citar cidades como Rio e São Paulo, onde já juizados especializados em violência doméstica, mas precisamos ir além. Como a lei é aplicada, por exemplo, no interior do Acre ou do Pará? É muito legal perceber a inclusão dos homens na lei. Mas precisamos definir como vamos trabalhar com esses homens. Como serão essas intervenções? Como o impacto dessas intervenções será avaliado?
ÉPOCA – O homem é naturalmente violento?
Nascimento – Não. A socialização masculina favorece o surgimento do comportamento violento. Trata-se de um comportamento aprendido. Significa que se aprendemos dessa maneira, podemos aprender de outra. Se um menino de 3 anos volta da escola com a bochecha vermelha porque foi mordido por um colega, a orientação que ele acaba tendo é "então amanhã você morde a bochecha dele". Esse menino cresce com a ideia de que tem de revidar uma agressão com outra maior ainda.
ÉPOCA - Quais as razões da violência contra a mulher?
Nascimento – Não há uma razão única. Mas a questão fundamental é o poder. Toda violência passa por uma relação de poder. Por alguém que acha que tem mais poder e que pode subjugar o outro. Seja pela força física, pelo abuso psicológico ou pela violência sexual. O desequilíbrio de poder entre homens e mulheres numa relação, muitas vezes, acaba contribuindo para o surgimento de uma relação de violência. É frequente ouvirmos dos homens "o meu pai batia na minha mãe, o meu sogro na minha sogra". Isso mostra que esses homens achavam legítimo o uso da violência para solucionar conflitos. Muitas mulheres diziam achar que isso fazia parte do casamento. Tinha acontecido com a mãe dela, com a avó.
Marcos Nascimento: “Se os homens são parte do problema, também têm de ser parte da solução”
Como uma rede mundial composta de mais de 400 ONGs e agências da ONU estimula o engajamento masculino no combate à violência contra as mulheres
SOLANGE AZEVEDO
ÉPOCA – Como desconstruir a ideia de que a violência pode ser "natural" num relacionamento?
Nascimento – É preciso dar poder às mulheres e desconstruir os estereótipos. Trabalhamos com grupos educativos. Mas não como numa sala de aula. São atividades em que os homens fazem reflexões críticas sobre o que é ser homem; qual é a relação deles com a sociedade, como pai, como companheiro. Tentamos engajar as comunidades onde esses homens vivem. Também é possível engajar escolas, religiosos, associações de bairro. Instigamos os formuladores de políticas públicas a incorporar essa ideia de trabalhar com os homens e meninos. No ano passado, lançamos uma campanha para aumentar a licença paternidade. Existe um projeto de lei tramitando no Congresso aumentando a licença paternidade de 5 dias para 30 dias. Seria um apoio para a mulher que acabou de parir e uma oportunidade do homem estar mais próximo e exercitar o lado paterno. A sociedade toda ganharia.
ÉPOCA – Esse tipo de abordagem é eficaz?
Nascimento – É. O Programa H, por exemplo, é reconhecido pela ONU como um dos 50 jeitos brasileiros de mudar o mundo. No Programa H há oficinas educativas e lúdicas que envolvem teatro e produção de campanhas, por exemplo, e uma série de atividades em que os jovens podem questionar papéis e modelos. Começando a trabalhar com meninos de 13, 14 ou 15 anos conseguimos criar uma geração mais sensibilizada para todos esses temas e causas.
ÉPOCA – Diversos casos de mulheres agredidas e assassinadas têm vindo à tona. A violência doméstica está crescendo no Brasil?
Nascimento – Não temos referências estatísticas para fazer essa avaliação. Mas é certo que o problema está se tornando mais visível. Quanto mais falamos sobre isso, fica mais claro que a violência contra a mulher não está restrita a contextos de pobreza. Aconteceu com Luana Piovani e Dado Dolabella, por exemplo. O assunto começou a aparecer em novelas. Houve o caso da Lilia Cabral e do Jackson Antunes (em A Favorita, da Rede Globo). As mulheres agredidas começaram a se identificar com a personagem e pensar: "isso acontece comigo também". Aí aparece alguém na novela e diz que aquele comportamento não é adequado e, aqui fora, conseguimos debater e refletir sobre isso.
ÉPOCA – No caso da personagem da Lilia Cabral, antes da agressão física, houve violência psicológica. Mas há pessoas que só ficaram escandalizadas quando ela começou a apanhar...
Nascimento – A violência psicológica é difícil de ser percebida. Quando a gente ouve a palavra violência, via de regra, vem à cabeça agressão física. Quando o homem diz "não use essa roupa", "não quero que você fale com a sua irmã" ou "você é uma droga, não serve para nada", as pessoas tratam como um problema menor. As pesquisas mostram que, normalmente, há uma escalada da violência: passa da psicológica para as agressões verbais, depois para a violência física e, muitas vezes, passa pela violência sexual.
ÉPOCA – Por que algumas mulheres têm dificuldades de se livrar da relação?
Nascimento – Várias campanhas já disseram que a mulher que não denuncia é cúmplice da violência. Mas encaro de uma forma diferente. Uma mulher que tem a autoestima completamente destroçada pode achar que está ruim ali, mas que vai ficar pior se ela for embora. Muitas vezes, ela corre risco de vida. Tem filhos. Ela não tem auto-estima ou segurança para romper a relação. O que ela mais espera é a mudança de comportamento. Ela teve momentos muito bons com esse homem. Ele é o pai dos filhos dela. Existe uma relação de afeto. Na separação, muitas vezes, essa mulher não tem uma rede de apoio. Vive a relação como uma grande vergonha, como se ela fosse a culpada. Costumo dizer que não existem homens violentos e mulheres violentas. Ou homens vítimas e mulheres vítimas. O que existe é uma relação em que a violência se instaurou.
ÉPOCA – Alguns homens não aceitam o rompimento da relação. Por quê?
Nascimento – Eles têm dificuldade de escutar "não", de aceitar certos limites. Saber lidar com frustrações faz parte da vida adulta. Criança é que não sabe, se joga no chão. Quando mais jovem, mais difícil pode ser para a mulher lidar com a violência. Há meninas de 14, 15 anos com homens muito mais velhos. Será que essas meninas têm o mesmo poder na relação? Será que o casal está em igualdade de condições? Nessa fase da vida, a diferença de idade pode ser complicada.
ÉPOCA – No passado os homens diziam matar em legítima defesa da honra. Hoje muitos dizem ter matado por amor. O que mudou?
Nascimento – As duas justificativas querem dizer a mesma coisa. Durante muitos anos, o adultério foi considerado crime pelo Código Penal Brasileiro. O Código era datado, de uma época em que o homem tinha um certo poder e as mulheres não. Daí surge essa figura de lavar a honra com sangue. Isso remonta aos duelos dos séculos XVIII e XIX. A honra masculina, principalmente nas sociedades mediterrâneas, tem um peso muito grande. O fato de ele ter sido trocado, abandonado, também pode ser visto a partir de uma perspectiva de desonra. Ele não foi capaz de manter aquele relacionamento. Não conseguiu manter aquela mulher. Ela disse "não", quando na verdade ele é que deveria ter dito "eu não quero mais você".
Diario Epoca. Brasil.
09/04/2009
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